Notas sobre o compromisso ético-político da formação em Psicologia
Marcella Oliveira Araujo
Quadro. Giz. Canetas. Mesas. Cadeiras. Cada item em nossa memória nos lembrando o que não temos usado nesse momento e como temos sido usadas e usados para o cumprimento de uma carga horária que não contabiliza tempos de incertezas. Nestes tempos, a higienização do espaço, compra de equipamentos e cabeamentos, e escalas, têm definido o modo como o projeto de escola tem se tornado um hospital.
Temos reduzido, este momento, e de maneira compreensível, às próprias condições de nossa existência, ao que sentimos falta materialmente. Individual e restritamente. O que conseguimos capturar nesse momento e o modo como temos sido conduzidos ética e politicamente nos faz pensar nas faltas. Sinto falta dos olhares, do encontro dos corpos nos corredores, dos cafés durante e após as aulas, das conversas sobre as contradições do ensino de Psicologia e das políticas educacionais, e seus (não) cuidados. É nesta complexidade que diariamente a escola foi vivenciada e direcionada para o campo do debate e do enfrentamento.
Como sujeitos dos lugares que ocupamos, a capitalização do tempo e do espaço doméstico tem nos colocado diante de questões essenciais sobre aprendizagem e desenvolvimento humano. O silenciamento dos tempos de aula, dos adoecimentos psíquicos, e do excesso de produção de atividades não condizentes com a situação social do desenvolvimento de estudantes, que vivenciam suas crises como crianças, adolescentes, adultos e idosos naquele momento, e não em outro. Estruturalmente, já vínhamos favorecendo a capitalização de nossa existência.
É preciso enunciar nossas vidas na relação com a morte. São 132 mil ausências. 132 mil pessoas que viviam uma realidade em tempos presentes tão passados de indiferença. Este copo não está meio cheio. Relativizar tem nos levado a naturalização do espaço educacional para o cumprimento de carga horária e conteúdo de disciplinas que já reproduzíamos não (compromissadas) com a realidade. É possível entender a vídeo chamada como um espaço do debate, um espaço que possibilite entendimentos para essa realidade que não pode escolher trabalho remoto, que não sabe que pode se escolher como protagonista de um projeto de sociedade.
Meu trabalho docente não é para ouvir a minha própria voz e ver minha própria imagem. Sua formação discente não é para cumprir horas do estágio e de sua graduação. Seu quarto não é uma escola.Que necessidades as escolas e as famílias de nossas comunidades estão enfrentando? O que podemos fazer para acolhê-las? Precisamos construir juntes a realidade à qual você vai se realizar como psicóloga e psicólogo.
A quê(m) temos servido quando não estamos nos organizando politicamente para debater o fortalecimento da convivência familiar e comunitária e plenas condições de desenvolvimento das e dos professores; das e dos estudantes e seus familiares?