O papel da escola na proteção de crianças e adolescentes
Iramaia Ranai Gallerani [1]
A escola é um espaço que tem como objetivo o desenvolvimento de crianças e adolescentes, a partir da convivência com os pares e o compartilhamento de vivências e saberes. Nesse contexto, a realização de ações voltadas para a proteção e garantia de direitos é fundamental à construção da identidade dessa população, em meio aos processos educativos.
Quando falamos em violências, o trabalho na escola prescinde de um olhar sensível no reconhecimento de sinais e sintomas físicos ou psicológicos, que podem indicar situações de violação de direitos. Ter uma postura acessível, disponível ao diálogo e atenta àquilo que a criança ou adolescente precisa, é essencial. As relações de confiança se estabelecem justamente a partir da construção de vínculos pautados no respeito, na empatia e no acolhimento. Abertura para ouvir o outro se manifestar em liberdade sobre situações que trazem sofrimento envolve validar e reconhecer sentimentos (que muitas vezes podem ser ambíguos), assim como perceber necessidades de proteção (BRASIL, 2017).
Para que esse trabalho seja feito, as/os profissionais que atuam na escola devem se despir de crenças e ideais (de infância, adolescência, velhice, masculinidade, família, casamento, etc.) que podem ser excludentes e produtores de sofrimento, de modo a acolher a realidade que se apresenta, sem julgamentos ou imposições. Cabe, ainda, uma atitude de psicoeducação em violência, a partir da qual crianças e adolescentes conseguem identificar ações que ultrapassam limites na relação com seu corpo. Esse processo inclui discutir gênero e diversidade na escola, pois ao saber acerca dos diferentes estereótipos e papéis sociais que nos constituem, quais são os limites em relação ao seu corpo e sobre as diferentes relações, crianças e adolescentes podem se proteger de forma mais efetiva e agir de modo mais respeitoso diante das escolhas do outro e de si. Infelizmente, temos uma sociedade que possui uma estrutura que naturaliza violências e é excludente quanto às diferenças, e isso precisa mudar.
No cotidiano escolar, qualquer profissional está sujeita/o a receber uma revelação espontânea sobre uma situação de violência, por esse motivo, crianças e adolescentes precisam ter um espaço aberto de fala, ter pessoas ao seu redor que prestem atenção aos mínimos sinais de mudança comportamental e saber com quem contar em uma situação de risco. Nesse momento de revelação, nos compete a escuta e o mínimo de intervenção ao que é dito, de forma a não causar constrangimentos ou sugestionar o relato. O importante é que todos os atores desse espaço de atenção à infância e adolescência estejam devidamente qualificados para prestar seu apoio e suporte, e não incorrer em violência institucional, ou seja, não devem realizar a exposição a atos invasivos, desnecessários ou que levem à repetição da violência sofrida. O zelo pelas informações compartilhadas com as/os profissionais, a comunicação efetiva com a rede e a orientação das crianças e adolescentes sobre seus direitos, assim como a seus pais ou responsáveis, é fundamental. Vale lembrar que os sujeitos envolvidos em situação de violência devem ser incluídos nos processos decisórios que lhes dizem respeito, que seus desejos e necessidades sejam levados em conta, de maneira a fazer sentido para sua realidade.
Cabe ressaltar que ações realizadas na escola devem ultrapassar os seus muros, isto é, envolvem também as comunidades. Quando as mesmas são marcadas pela violência e opressão, uma série de fatores estão envolvidos nesse trabalho, como a identificação e análise de como as pessoas percebem as situações vividas; a forma de organização das redes de apoio afetivo e social, com foco na família, a escola e a comunidade; realização de ações que ultrapassem o âmbito individual, na compreensão do desenvolvimento humano situado social e historicamente; e um olhar apurado para as políticas públicas voltadas ao desenvolvimento de crianças e adolescentes (GUZZO, 2016).
Faz-se necessário, portanto, um olhar integral do sujeito e sua realidade, o que inclui os diferentes marcadores sociais, como gênero, cor da pele, etnia, condição socioeconômica, escolaridade, região do país em que vive, orientação sexual, deficiências, entre outros que possam afetar o seu desenvolvimento ou, ainda, ser obstáculo ao acesso a direitos, tendo em vista questões estruturais como racismo, machismo e LGBTfobia.
Enquanto responsabilidades normativas, o Decreto 9.603/2018 (regulamenta a Lei nº 13.431/2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência), nos indica que cabe às redes de ensino implementar programas de prevenção às violências, de forma a contribuir no enfrentamento de vulnerabilidades que possam prejudicar o pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes. Além disso, diante da suspeita ou confirmação da ocorrência de violência, ou frente a revelações espontâneas de situações de violência, é imperativo que o profissional de educação realize o devido acolhimento, informe os envolvidos sobre seus direitos e formas de denúncia ao Conselho Tutelar e autoridade policial, realize os encaminhamentos que se fizerem necessários e, por fim, comunique o fato ao Conselho Tutelar. Essas são importantes ações de proteção.
Seja na escola ou quaisquer outros espaços de atenção a crianças e adolescentes, todas/os somos responsáveis pela proteção dessa população, seja no combate à violência, em ações de prevenção, na reparação de direitos ou no cuidado em relação aos danos provocados pela vivência de situações de violência.
Referências
BRASIL, Ministério dos Direitos Humanos, Secretaria Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes. Parâmetros de Escuta de Crianças e Adolescentes em Situação de Violência. Comissão Intersetorial de Enfrentamento a Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. 2017. Link de Acesso: http://primeirainfancia.org.br/wp-content/uploads/2017/08/Parametros-de-Escuta.pdf
BRASIL. DECRETO Nº 9.603, DE 10 DE DEZEMBRO DE 2018. Regulamenta a Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. Link de acesso: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2018/decreto-9603-10-dezembro-2018-787431-norma-pe.html
GUZZO, R. S. L. Risco e proteção: análise crítica de indicadores para uma intervenção preventiva na escola. In: FRANSCHINI, R.; VIANA, M. N. Psicologia Escolar: que fazer é esse? Conselho Federal de Psicologia. Brasília: CFP, 2016.
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[1] Iramaia Ranai Gallerani é psicóloga (CRP-12/14108), Especialista em Psicologia Clínica, Pós-graduada em Impactos da Violência na Saúde (FIOCRUZ). Mestranda em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (UFSC), sob orientação da Profª Drª Denise Cord. Ministra cursos de qualificação sobre escuta especializada de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência, bem como de atenção a mulheres em situação de violência doméstica. Psicóloga Clínica com enfoque em violência intrafamiliar, colaboradora do Grupo Interinstitucional de Santa Catarina sobre a Escuta Protegida de Crianças e Adolescentes Vítimas e Testemunhas de Violência, e Psicóloga Assistente Técnica no Conselho Regional de Psicologia – 12a Região, junto à Comissão de Ética (COE).