Sobre ser psicóloga na escola

28/09/2020 17:14

Lígia Feitosa

A criança problema. Os estudantes sem pré-requisitos. Os professores horistas. Os atores educacionais solitários. As barreiras construídas entre professores e alunos. O currículo precisa ser cumprido. A escola sem recurso. Embora denunciado, sendo em alguns níveis superados, este cenário coexiste na minha e na sua realidade de trabalho.

A vasta e histórica produção de saberes por uma atuação crítica em psicologia escolar tem nos sustentado no processo de conhecer o chão da escola e buscar coletivamente transformá-lo até aqui. Porém, nós sabemos que não é uma tarefa fácil e nem exclusiva da psicologia.

A nossa formação, por sua vez, nem sempre evidencia todas as contribuições oferecidas pela psicologia escolar. Isso torna o nosso caminhar, por um lado solitário e incerto, e de outro, convidativo para ocuparmos os entre lugares construídos ao longo dos nossos processos formativos e das nossas vivências na escola. Penso que perceber isso também faz parte da concepção acerca do nosso papel de psicóloga nesse contexto.

Entre saberes e fazeres, vamos tomando nota das marcas que nos afetam no cotidiano da escola. Este espaço, embora não represente o único contexto da nossa atuação, carece de ser ocupado por nossas contribuições no âmbito da promoção e da mediação de processos de desenvolvimento para uma formação humana e cidadã. Então, precisamos permanecer atentas sobre o que fazemos, como fazemos e o que estamos (re)produzindo na nossa caminhada na escola.

Nesse sentido, entendo que temos algo a fazer pelo hoje que aguardou quase vinte anos para nos garantir o direito de trabalhar na escola[1]. Cabe a nós, psicólogas, lembrarmos que -, a criança problema; os estudantes sem pré-requisitos; os professores horistas; os atores educacionais solitários; as barreiras construídas entre professores e alunos; o currículo precisa ser cumprido; a escola sem recurso –, seguiu coexistindo neste espaço.

Portanto, para além do combate da superação desta realidade, também é preciso compreender que a autoria desses problemas se estabeleceu na relação entre os nossos atores educativos. Assumir posturas que rompam com as polarizações sobre o que é feito e sobre o que não se faz a psicóloga escolar é um caminho para nos livrarmos das culpas, generalizações e análises aligeiradas sobre a complexidade da trama que constitui o espaço escolar. O nosso momento pede para acolhermos quem chegará para compor conosco e trabalharmos juntas em favor de uma atuação crítica, a partir da vivência na e pela escola, para seguirmos como agentes históricos e politicamente ativos diante do organismo vivo que é a nossa escola.

 

[1] A Lei 13.935/2019 dispõe sobre a prestação de serviços de psicologia e de serviço social nas redes públicas de educação básica.