Live “Covid-19, antropoceno e Capitalismo”

24/03/2021 09:13

Divulgamos uma atividade preparatória para o XI Simpósio da Associação Brasileira de Psicologia Política, que ocorrerá virtualmente em agosto de 2021. O Lapee é parceiro na organização deste evento. Para “esquentar” os debates, o Simpósio programou diversas lives no canal do YouTube da SBPP. A live “Covid-19, antropoceno e Capitalismo” ocorrerá no dia 26/03 às 14:30, tendo como palestrantes Jean Segata (UFRGS) e Leandra Gonçalves (USP). link de acesso: https://www.youtube.com/channel/UCc3BE-KOT6nt8L4aXDq0PLQ.

#Ficaadica #LaPEE #LapeeUFSC

Agonia do Eros Docente

22/03/2021 09:41

Rogério Machado Rosa

Sou professor antes mesmo de ser psicólogo. Ainda na metade da graduação, fui contratado para dar aulas de Psicologia da Educação em um Curso de Magistério, na Rede Estadual. Ali trabalhei por 6 anos. Fui contagiado por “Eros Pedagógikos” (GALLO, 1998), me apaixonei. Daí recorri à licenciatura em Psicologia, algo que eu não vislumbrava no início do curso. Depois veio o mestrado em Educação e, com ele, um voo com aterrissagem na docência do Ensino Superior. Em seguida ingressei no doutorado, também em Educação. Paralelamente e posteriormente a ele, permaneci exercendo o ofício de professor, bem como o de Psicólogo Escolar e Educacional.

Sinto haver uma linha feiticeira, dançarina e/ou artística (CORAZZA, 2006) transversalizando minha trajetória de professor. Ela parece funcionar como representante do meu conatus, quer dizer, a capacidade de “cada coisa esforça-se, tanto quanto está em si, por perseverar no seu ser” (ESPINOSA, 2013, p. 77). Essa capacidade de perseveração resulta na forma atual do ser, reitera o autor. Resulta no meu conatus docente, neste caso. E foi ela quem trouxe para o meu “corpo docente” o encantamento dos apaixonados, o fulgor criativo das crianças e a esperança colorida pelas manhãs de sol, chuva e frio.

Hoje sou um professor que se dedica, principalmente, à formação de professores/as. No exercício diário da docência, busco construir, cultivar e propagar esse espírito/conatus tramado pela força da linguagem ética, política, poética, afetiva, literária… Ele tem sido fundamental no enfrentamento dos desafios e na assunção das responsabilidades que a ocupação desse lugar requer. É ânimo para a construção de uma vida docente bela. Embora eu sinta que cada vez mais é fulcral perguntar pelo que pode aumentar ou diminuir a potência do meu/nosso conatus docente, sobre o que traz para o meu/nosso corpo/ser docente alegria e saúde ou tristeza e adoecimento.

Quando comecei revirar o material/memória para escrever esse ensaio, constatei que em breve fará um ano que estou sem viver a docência presencial, na sala de aula física. Senti saudades da sensação de frescor e da alegria típicos dos encontros com as/os estudantes. Percebi o meu espírito/conatus docente, tão frequentemente enfeitiçado e feiticeiro, um tanto embotado, rebaixado. Entre a sensação de esvaziamento de sentidos e a luta para produzi-los, percebo que estou experimentando na carne a agonia do “Eros Docente”. Inquieto, me perguntei: será que estou cansado de conversar com as/os estudantes diante de uma tela? Estou cansado de às vezes parecer simplesmente conversar com a tela? E tem ainda a atual gestão necropolítica da pandemia. O que ela me causa? Como tudo isso me/nos afeta e diminui a minha/nossa capacidade de pensar/viver a docência?

Sabe-se que o distanciamento social é soberano nesse momento. Ele salva vidas! Mas onde buscar alegria para o meu/nosso conatus docente nessa época tão eivada de paradoxos? Como mantê-lo vibrante e enfeitiçado pela força da vida quando sou/somos ameaçados pelas deliberadas políticas de morte? Como não me ressentir nos momentos em que as violências políticas, institucionais e sociais me atravessam e me fazem experimentar certa sensação de impotência?

Gostaria de ter respostas objetivas e práticas para essas perguntas, mas não tenho. Isso é perturbador. Sei, entretanto, que elas são indispensáveis para o exercício (auto)reflexivo sobre o tempo presente, pois a mim funcionam como instrumento mobilizador da análise crítica das distopias que nos afligem. São perguntas que também intensificam minha conexão com as/os colegas professores/as, tanto do Ensino Superior quanto da Educação Básica. Isso as faz insistentemente reaparecerem e ecoarem no meu corpo docente. E seguem: a sensação de fastio diante da tela seria uma experiência comum entre as/os colegas professoras/os? Como anda a saúde mental, social, física e pedagógica das/os colegas de profissão? Temos encontrado tempo e espaço para cuidar do espírito/conatus arteiro e criador inerente ao nosso ofício? Quem está cuidando do/a professor/a? E as suas utopias pedagógicas e existenciais, em que frequência pulsam?

Se por um lado os imponderáveis da pandemia da Covid-19 têm me/nos logrado a possibilidade de viver o ensino presencial, por outro lado a docência no formato remoto, com toda a sua complexidade e controvérsias, se tornou uma saída (oxalá transitória). Mas é fato que recorremos a ela para não abandonarmos nossos/as estudantes aos seus próprios recursos, para salvarmos vidas, conforme nos ensina Hannah Arendt (2002). Isso não significa, evidentemente, a partilha da convicção de que este é o melhor caminho, mas talvez seja e expresse o melhor das minhas/nossas possibilidades até aqui. Talvez seja a expressão do meu/nosso conatus docente se esforçando, duelando, para perseverar sua existência, para expandir e afirmar a vida. Raciocinando/sentindo assim, encontro uma razão legítima para me alegrar. E a alegria é um bem social, é ato político revolucionário no enfrentamento à política de tristeza fascista.

O olhar atento para as variações do meu conatus docente se transformou em uma questão pungente. Parece dizer de um “nós”? Dizem de um coletivo docente com seus respectivos conatus mais rebaixados do que altivos na contemporaneidade?  Foi assim que na escritura desse ensaio, a opção pela metodologia da escrita (auto)biográfica assumiu um contorno fundamentalmente ético-estético-político. Já que esse modo de pensar/sentir/escrever articula “as dimensões individuais aos fenômenos de caráter mais amplo” (CAETANO, 2016, p. 33); e assim potencializa a criação e a recriação das tramas constitutivas das nossas identidades individuais e coletivas. Trata-se, portanto, de uma relação de criação em que os valores estão voltados para a alteridade e para a produção dos nossos territórios existenciais. Perspectiva esta nomeada por Guattari (1992) de ético-estética-política.

  A partilha de excertos narrativos (auto)biográficos relativos às minhas experiências de professor/psicólogo, com ênfase nos (des)encantamentos no tempo histórico presente, constitui-se como uma oportuna estratégia no combate às formas fascistas de vida que me/nos assombram. Apresenta-se como uma espécie de exercício público de reflexão filosófica, ética, política e pedagógica, já que guarda profunda relação com a narrativa da minha/nossa formação humana na pólis. Diz, por fim, de um movimento pelo qual busco/buscamos me/nos libertar, “com esforços, hesitações, sonhos, ilusões daquilo que quer passar por verdadeiro ao desejo” (FOUCAULT, 2001, p. 86).

Mas se “o desejo uma vez criado, não conhece sono nem trégua nenhuma” (VALÉRY, 2005, p. 43), ele pode me/nos insuflar de alegrias crítico-criativas que inspirem a invenção coletiva de outros espaços e tempos pedagógico/existenciais: mais encantados, mais feiticeiros e mais apaixonados, assim como nos ensinam as crianças. Então a minha/nossa luta buscará manter viva a paixão típica dos começos, para continuarmos afirmando a vida na e pela docência. Pois afinal, como já nos advertiu Foucault (2010, p. 4), “não é preciso ser triste para ser um/a militante” professor/a.

REFERÊNCIAS

CORAZZA, Sandra Mara. Artistagens: filosofia da diferença e educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

CAETANO, Marcio. Performatividades reguladas: heteronormatividade, narrativas biográficas e educação. Curitiba: Appris, 2016.

ESPINOSA, Baruch. Ética. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica. 2013.

FOUCAULT, M. “Prefácio (Anti Édipo: introdução à vida não-facista)”. In: MOTTA, Manoel Barros de (org). Repensar a Política / Ditos e Escritos VI. Tradução de Ana Lúcia Paranhos Pessoa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.

GALLO, Sílvio Donizete. Eros Pedagógikos: em torno de uma erótica didática. Libertárias, São Paulo: imaginário, n. 3, p. 53-56, set. 1998.

GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo: Ed. 34, 1992.

VALÉRY, Paul. A alma e a dança e outros diálogos. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2005.

Pesquisa em Psicologia: subsistência em tempos de autoritarismo

15/03/2021 10:18

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A dica desta semana é a aula magna do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da UFG. O título da palestra, que será proferida pela professora Dra. Bader Sawaia, é “Pesquisa em Psicologia: subsistência em tempos de autoritarismo” – tema atual e de grande interesse para docentes e graduandos/as em Psicologia.

A palestra será transmitida ao vivo pelo Canal do YouTube do PPG da UFG, dia 22/03 às 14h.

#Ficaadica #LaPEE #LapeeUFSC

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Carta a uma professora inesquecível

08/03/2021 12:20

Simone Vieira de Souza

 

Querida Dona Lourdes,

Hoje, 08 de março de 2021, a imprensa oficial atualiza o número de pessoas mortas por COVID-19 no Brasil. Mais de 265 mil. Insisto em manter a chispa utópica acessa. E numa tentativa agoniada, desde o ano de 2016, busco compor o front com os que lutam para além das telas e das páginas das redes sociais, procuro por algum nível de conforto no desamparo doloroso e sensação de uma história triste e [sem fim]… Ao considerar o que a minha pátria, nada gentil com seus filhos, tem produzido, registro a dificuldade de seguir. E para contrapor a sensação de terra arrasada, conecto com as memórias de um tempo que me ensinou sobre esgarçar os sentidos para poder ver grande, sentir grande, refletir grande… e só depois e sem pressa, ser caminhante. Essa memória e tempo trazem você, Dona Lourdes. Minha professora da primeira série. Por ser essa a memória, esse manuscrito só poderia ser um manuscrito-carta, endereçada para uma professora inesquecível. E por ser essa professora inesquecível, essa carta só poderia ser uma carta de amor.

Nos encontramos na Escola Básica Visconde de Mauá, que se localiza na cidade de Tubarão, estado de Santa Catarina, sul do Brasil, em uma vila dos ferroviários. Era uma escola ocupada por filhas e filhos de trabalhadores. Vivíamos no regime da Ditadura Militar, ano de 1979: Estado autoritário, educação tecnicista, o imperativo do controle e da disciplina dos corpos, dentro e fora da escola, dava o seu contorno. Eu tinha sete anos de idade e frequentava à primeira série. A imagem que se condensou foi você nos dizendo: “Quando aprenderem a ler, conseguirão ler o mundo”! Suas palavras desencadearam tanta urgência e possibilidade. Eu queria aprender a ler. Não! Mais do que isso, eu necessitava ler para escrever palavras, compreendê-las, e poder ler o mundo. Hoje quando revisito sua frase, algo me diz que se ancorava num certo pensador, bastante incompreendido e atacado ultimamente.

Sua sentença segue ecoando dentro de mim. E veja quanto tempo dentro do tempo se passou. Aliás, no que se refere ao tempo e suas marcas indeléveis, permanecer efetivamente e afetivamente com alguém, muito dependerá sobre a qualidade desse tempo-encontro-contato. Suponho ser esta uma chave importante, e que define quem seguirá conosco na categoria das pessoas inesquecíveis. De mãos dadas com você, e trilhando o [Caminho Suave] de uma cartilha adotada na época, que nada tinha de suave, tão pouco ganhava boniteza, desafios e convites, você produziu em mim, aos sete anos de idade, uma espécie de ponto luminoso. O que falava e o como falava, despertou em mim o gosto pelas coisas da escola e na vida fora dela, tão repleta de ambivalências.

Sabe, Dona Lourdes, algo me diz que você iria gostar de saber da mulher que me tornei e sigo a construir. Sou uma idealista humanista, aprendi com você e com outros inesquecíveis professores que há que se ter sonhos coletivos para seguir caminhante, desejosa, implicada e aguerrida na construção de um mundo mais justo para todas, todes e todos. Nas disputas da vida, desde criança, evidenciei com quem eu seguiria fiel e aliada, e a quem me oporia no embate. Viver reivindica um posicionamento franco. O contrário disso me produz estranhamento, desconfio de quem o faz, saio de banda e sigo atenta. Ah! Você tinha toda razão sobre o ato de aprender a ler como um instrumento que nos habilita a ler o mundo. Que coisa grande é isso, não é?!

Minha querida professora inesquecível, passados esses 42 anos da cena vivida, eu me encontro no capítulo em que a incerteza habita cada parágrafo, em que as páginas subsequentes parecem aumentar a tensão e o medo do por vir. Às vezes sou invadida por uma necessidade de interromper definitivamente a leitura, de fazer algo que me tire do contato do que os dados e as estatísticas insistem em denunciar. Nesse livro chamado Brasil, no ano de 2016, vivemos um golpe parlamentar, jurídico e midiático. O refrão síntese daquele momento nauseante e adoecedor, que mobiliza [ainda] tantos sentires, e traz a cena do espetáculo que foi amplamente explorado pela mídia golpista é: “Chegou a hora do grande acordo nacional com o Supremo, com tudo!”

Sobre a história que tenho construído nesse mundo, na medida em que leio, resenho, sofro, compreendo… compartilho um pouco do que entre os anos de 2016 a 2019 estive fazendo. Nesse tempo, a rua e a luta coletiva, foram espaços de morada mais constante. Na rua e junto do meu bando, gritei “Não vai ter golpe”, “Fora Temer”, “Ele Não”, “Não a PEC da morte”, “Não a reforma trabalhista”, “Não a reforma da previdência”, entre outras urgências – capítulos do mesmo livro que me refiro. Nossa poesia, bordões criativos, arte, amor, gentes de cores e mundo diverso, princípios, lutas, seguidamente perderam a batalha. E a cada rasteira, mais um soco no estômago me levava ao chão. O que se erguia primeiro puxava o Outro, de modo constante e insistente, assim foi. Assim tem sido até aqui.

Mas ainda quero dizer algo mais para você. Sigo sem respostas para uma porção de perguntas! Há ações indefensáveis nesse livro, e parece não haver síntese possível. Arrisco dizer que a ausência de respostas e indignação costuma me manter acordada. Me faz buscar o encontro com algumas pessoas, certo tipo de huMANOS, para compreender o que está em curso, buscar sustento, lutar de algum modo contra essa força que despotencializa a vida… porque “A gente combinamos de não morrer” (CONCEIÇÃO EVARISTO, 2016, p. 99). Pensar que você segue segurando a minha mão e que se eu cair, com sua voz firme e doce pedirá ao amigo que busque a caixa de primeiros socorros na secretaria, me leva para outro lugar, para o Brasil que quero.  E, assim sigo – mesmo que por vezes cambaleante – por você, por todos que me antecederam, pelos que seguem compartilhando suas vidas esperançadas, e aos que virão…

Até sempre e com amor!

Ilha da Magia(?), num tempo de esperançar de um ano pandêmico.

EVARISTO, Conceição. Olhos D’Água. 1. ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2016.

* Denise Cord e Célia Regina Machado [das pessoas inesquecíveis]. Minhas “escutadeiras”. O olhar de vocês melhora o meu, obrigada.

Onde está a Psicologia escolar no meio da Pandemia?

01/03/2021 17:54

Acaba de sair o livro “Onde está a Psicologia escolar no meio da pandemia?”, organizado por Fauston Negreiros e Breno de Oliveira Ferreira. O LaPEE está presente com um capítulo, escrito por Marta Moraes, Maria Fernanda Diogo e Rogério Rosa! #LaPEE #LapeeUFSC

 O livro tem acesso gratuito pelo site da Pimenta Cultural. Acesse e compartilhe!

https://12a44a16-333b-2afc-4c09-a9f4ce61c300.filesusr.com/ugd/143639_b1fbfb85ab1d4caaa6e7b3577b8464cc.pdf

Rudinei Luiz Beltrame

01/03/2021 17:36

Professor do curso de Psicologia da Faculdade CESUSC, formado em Psicologia pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2013); Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Cultura, na Área de Concentração em Processos de Subjetivação, gênero e diversidades pela Universidade Federal de Santa Catarina (2019) e doutorando no Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas da UFSC. Atua e tem interesse de pesquisas nos temas da medicalização da vida, escola, processos de escolarização, formação profissional em Psicologia e Direitos Humanos.

http://lattes.cnpq.br/1850408431378226

Das lindezas que encontramos no caminho: notas sobre esperançar

22/02/2021 19:47

Raquel de Barros Pinto Miguel

Dando sequência aos textos produzidos para o LAPEE, eu estava responsável pela escrita da segunda quinzena do mês de dezembro. Exaustão era a palavra naquele momento. Um cansaço costumeiro de final de semestre, acrescido pelo fato de que não havíamos tido um semestre costumeiro, quiçá um ano costumeiro…

À exaustão já conhecida somavam-se as tensões e frustrações de uma primeira experiência vivendo a modalidade de ensino remoto: a frieza de câmeras desligadas, a aridez pela falta de olhares, de encontros… Não sei se posso falar em falta de afeto. Talvez tenha aprendido a me contentar com o mínimo: dois rostos visíveis em uma sala com 45 já traziam um certo alento.

Como se não bastasse, o cenário por traz do ensino remoto era desolador: uma pandemia desenfreada, distanciamento dos que amamos, medo, sofrimento, máscara, álcool em gel, mortes… Tudo isso sendo vivido em meio a um governo que minimiza e nega a gravidade da situação, levando adiante um projeto político-ideológico de deixar morrer vidas “perdíveis” (Butler, 2019).

Como uma otimista incorrigível, pensei que deixar a escrita deste texto para 2021 traria a oportunidade de uma escrita mais leve, mais otimista, com cara de recomeço. Mas 2021 nada mais tem sido do que um 2020 requentado. Aliás, um 2021 – que na verdade é um 2020.2 – que insiste em nos mostrar que a magia tão esperada no momento da passagem de um ano para outro é mera ilusão… Ou seria esperança?

Muitos temas difíceis rondaram minha cabeça antes de iniciar essa escrita. Sinceramente, não queria trazer o primeiro texto do ano com um tom tão pesado quanto o que já estamos vivendo. Quase um ano do início da pandemia, nossos corpos e mentes já estão cansados, a saudade daqueles e daquilo que amamos só aumenta, a luz no fim do túnel parece ficar cada vez mais distante quando, além do vírus, estamos imersos em uma necropolítica.

Mas, como já falei, o otimismo me acompanha e optei por seguir a direção de pequenas lindezas que, em meu caminho com professora, tornaram minha caminhada menos árida no ano que passou e neste que se inicia. Entre algumas experiências, escolho contar a que chamei de “Mosaico Paulo Freire”, que compreende uma das atividades na disciplina de Psicologia e Processos Educacionais (curso de Psicologia da UFSC), que teve como ponto de partida a leitura do livro “Pedagogia da autonomia”.

Usando uma ferramenta (Padlet) que permite a criação de quadros virtuais, sugeri que criássemos um quadro com informações sobre a vida e a obra de Paulo Freire. A ideia era construir um mosaico com aquilo que mais tocou cada um/a dos/as estudantes a partir de suas leituras e buscas a respeito do educador brasileiro.

O resultado foi lindo de se ver! Além de visualmente bonito, alegre e colorido, o mosaico reuniu, com muita sensibilidade, preciosas informações sobre Paulo Freire. Foi um momento de partilhar, trocar, aprender, ensinar, somar, construir, emocionar, afetar e deixar-se ser afetado/a. Uma empreitada coletiva que, ainda que virtual, estava impregnada de afeto, carinho, criatividade e descobertas.

A cada vez que, junto aos/às estudantes, revisito obras de Paulo Freire, sempre me salta aos olhos a atualidade do pensamento freiriano. Em alguns momentos chega a causar espanto! Em “Pedagogia da autonomia”, ao falar sobre raiva e raivosidade, ele diz: “A mim não me dá raiva mas pena quando pessoas assim raivosas, arvoradas em figuras de gênio, me minimizam e destratam.” (Freire, 1996, p. 54)

É sabido dos ataques sofridos por Paulo Freire no período de ditadura militar brasileira. É sabido, também, dos ataques que seu pensamento vem sofrendo nos últimos anos em meio à onda conservadora que assola o país. A atualidade de suas ideias, bem como as “raivosidades” que elas despertam, fazem-me pensar nos movimentos cíclicos que compõem a vida. Ciclos que, ao mesmo tempo que permitem que ideias retrógradas voltem à superfície, nos fazem lembrar que recomeços são possíveis. Que a luta – mesmo em meio ao luto – é imprescindível.

E nessa luta, o educador que completaria 100 anos neste 2021, nos lembra de um ingrediente essencial: a esperança. Não se trata de uma esperança ingênua, quase mágica, que individualmente teria o poder de transformar a realidade. Segundo Freire: “Minha esperança é necessária mas não é suficiente. Ela só, não ganha a luta, mas sem ela a luta fraqueja e titubeia. Precisamos de herança crítica, como o peixe precisa da água despoluída.” (Freire, 1997, p. 5)

Paulo Freire nos fala de uma esperança atrelada à práxis, pois somente assim pode vir a ser uma realidade histórica. Como ele diz: é esperança do verbo esperançar. Esperançar é coletivo, é estar junto na luta contra opressões. É o que move a luta coletiva em prol de uma vida mais justa, ética, igualitária e comprometida.

Esperançar, no atual cenário, já é – por si só – um gesto de luta. Como diz o grande educador (em mais uma de suas frases mais atuais do que nunca): “Num país como o Brasil, manter a esperança viva é, em si, um ato revolucionário.”

 

BUTLER, Judith. Quadros de Guerra – quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2019.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra S.A, 1997.

 

 

 

 

 

Projeto de Extensão do LaPEE, finalização e novas aberturas!

16/12/2020 15:22

Este ano desenvolvemos o Projeto de Extensão Formação continuada: atuação da psicologia em contextos educativos e de escolarização. Este projeto visava promover a atualização e ampliação de conhecimentos teórico-metodológicos para psicólogas(os) que atuam em escolas, organizações sociais e outros espaços onde ocorrem práticas e relações educativas, por meio da oferta de um Curso de Extensão na modalidade a distância. Infelizmente, por conta da pandemia, avaliamos a necessidade de prorrogar a oferta do curso.

Contudo, estivemos ativos/as durante este ano. A equipe do projeto cresceu, sendo integrado por 25 pessoas, entre docentes, estudantes da graduação e da pós-graduação, psicólogas e educadoras.  Focamos em 2020 na qualificação da proposta formativa, na elaboração dos materiais didáticos e na formação da equipe do projeto.

Em nosso encontro de avaliação final do projeto, apresentamos as atividades realizadas, a avaliação da equipe acerca do curso “psicologia, interseccionalidade e processos educativos”, o qual nos qualificou para a elaboração dos materiais didáticos, bem como apresentamos a proposta da segunda versão do projeto de extensão que será desenvolvido em 2021. Ano quem o projeto será ampliado visando a formação continuada de profissionais que atuam em contextos educativos em Santa Catarina, além da oferta do Curso de Extensão: Psicologia Escolar e Educacional na contemporaneidade, voltado para psicólogas/os.

Agradecemos a todos/as pelos encontros formativos e afetivos que tivemos neste ano tão difícil!

Imagem: Encontro online de avaliação do projeto.

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